Hoje eu não fui eu

HOJE EU NÃO FUI EU é um retrato da vida de ausências de um homem que aprendeu a lidar com o sofrimento desde a infância. As lacunas, nunca preenchidas, exigem espaço e isso o leva a transpor essa dor para o papel, assim ele decide registrar momentos em forma de textos de cunho poéticos. Hans passou a sua vida buscando entender o motivo pelo qual tantos momentos encobertos sob o manto do ébano fizeram-se presentes em sua jornada de uma forma tão particular. Indo em busca de respostas começa a escrever mensagens para externar o que sempre sentiu, porém, nunca as endereçava, e com isso imaginava que ninguém teria o conhecimento de seu penar até o dia em que ele deixa de ser quem ele é.

“A brisa gélida e suave dos dias frios de inverno, nos longos meses em que essa estação acalentava a minha vida, me trazia conforto e amparo necessários enquanto eu me submetia ao doloroso, porém inevitável processo de revirar o baú de minha memória, em busca de coisas que grandemente me fizeram sofrer e aos poucos me tornar aquilo que hoje sou. Reflexo das ausências e amarguras. Foi esse processo que me conduziu nessa jornada ao meu interior e que culminou na descoberta do câncer da vida, da sombra que sempre encobriu a minha existência. Não é fácil ter de lidar com algo que ainda dói e que tanto te deixa pensar no quanto já sofreu com isso. Mas, em certa ocasião ouvi dizer que a cura está no que mais marcou e, talvez isso fosse o que eu tanto estivesse procurando: a cura. Um consolo para tamanha dor e sofrimento que por tempos carregava em minha alma. Não estava certo quanto ao encontro do bálsamo para as minhas antigas chagas, todavia sabia que era importante todo aquele movimento de revirar as gavetas em minha memória onde sempre guardei as mais densas sensações no oculto porão do meu ser.

Sempre tive comigo esta sensação de nunca ter sido verdadeiramente compreendido, de nunca ter completamente sido aceito pelos outros, assim sendo, nunca ter recebido amor e atenção, porém, ainda sim posso dizer que superei esta fase vivendo no meu modo tão peculiar de ser, enclausurado quase que por completo em minhas próprias redomas construídas a partir dessa angústia de viver ao léu. Enquanto eu começava a dar os meus primeiros passos no que chamo de ensaio de como ser humano, criava proteção, escudo e abrigo dentro daquilo que ainda restava de mim.”